29 de maio de 2012

Atitudes Essenciais

Enquanto o orador discursa, muitos deputados formam grupos para discutir outros assuntos. 
Os grupos, de pé, bloqueiam a visão daqueles que permanecem sentados.
O ruído de fundo das conversas paralelas mistura-se ao discurso do orador, dificultando para aqueles que desejam prestar atenção ao discurso.


A presidência da Casa, a quem compete fazer observar o regimento interno, permite que os trabalhos legislativos se dêem em meio a uma balbúrdia generalizada.
Existe déficit de atenção e foco no assunto tratado pelo orador, desordem, inobservância do regimento interno, desrespeito ao colega orador e àqueles que desejam prestar atenção ao tema tratado.

Mas existem exceções:

Em alguns dias cessa a balbúrdia e o orador pode discursar em paz! A foto do Estadão mostra uma segunda-feira típica de trabalho na Câmara.

Entretanto, para tratar de assuntos de interesse genuinamente nacional, nossos deputados põem o foco necessário.

Atitude do plenário: mesmo numa situação de homenagem merecida (aos 100 anos do Santos Futebol Clube) , a balbúrdia continua generalizada!

Falando em futebol e política, o deputado Romário em entrevista à revista Veja fornece valiosos esclarecimentos sobre a rotina na Câmara dos Deputados (21/03/2012):

(entrevista completa em veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/tag/camara-dos-deputados/)

Como é sua vida como deputado em Brasília?
Evito frequentar os mesmos lugares que os políticos. Na verdade, fujo deles. Não é por nada, não, mas, com exceção de um ou outro, prefiro esbarrar com essa turma só mesmo nos corredores do Congresso.

Não são boas companhias?
Fiz amizade com um pessoal, mas, vou lhe dizer uma coisa, ali só uma minoria de gente vale a pena conhecer. De mais de 500 deputados, uns 400 não querem saber de nada. Nada mesmo. Dão as caras, colocam a digital para marcar presença e se mandam. Vejo isso o tempo todo.

Virou cena tão comum que ninguém demonstra um pingo de constrangimento em fazer o teatro. Muita gente ali ocupa cargo de líder, é tratada como autoridade, mas está no quarto, quinto mandato e nunca propôs nem uma emendazinha. Como pode? Passam anos no bem-bom do poder sem cumprir uma vírgula do que prometeram. Mas, quando vão à tribuna, os caras falam bonito que só vendo.

Qual é o estilo Romário na tribuna?
Até hoje, consegui falar duas vezes porque fui sorteado. Tirando o sorteio, só dá para iniciantes como eu terem acesso à tribuna nos horários em que o plenário está às moscas. É a panelinha que manda.

Os donos do microfone são os líderes e os deputados com mais tempo de casa. Eu mantenho o estilo Romário, sem muita firula nem enrolação. Às vezes, me embaralho com o nome das coisas. É muita sigla e título para decorar: “Vossa excelência” para cá, “líder” para lá.

Se tenho dúvida, pergunto para alguém do meu lado ou procuro a resposta na internet. Até aí, tiro de letra. Mas a tribuna ainda é um lugar muito estranho para mim.

Estranho por quê?
O debate não segue uma linha lógica de raciocínio porque a maior preocupação ali é dar show para a televisão. Outro dia, um deputado começou a falar de salário mínimo. Aí, um outro chegou e ficou discursando sobre a ponte que tombou na cidade dele.

Ou seja, a conversa não chegou a lugar nenhum. Uma loucura.

Quando pisei lá pela primeira vez, aquilo me deprimiu. Queria fugir. Pensava o tempo todo: “Cara, me meti numa roubada”.
Mas fui me acostumando e, mesmo com essas esquisitices, estou gostando. No Brasil, falou que é político, as portas se abrem na mesma hora.

Aconteceu com você?
Mesmo sendo o Romário, antes eu ligava cinco, dez vezes para o Ministério do Esporte, em busca de parceria para alguns projetos, e ninguém me retornava. Agora, é completamente diferente.
Às vezes, leva um pouco de tempo, mas as pessoas me recebem, me ouvem. O poder atrai. Para aprovar minhas propostas, falei com ministro, líder da oposição, todo mundo.

Recebeu tratamento de deputado ou de celebridade do futebol?
No começo, não teve jeito. Entrei para o grupo das “celebridadezinhas” do Congresso. Fazer o quê? Mas acho que já me distanciei bastante daquele grupo. Tem cara famoso ali só esquentando cadeira.
Nunca dá o ar da graça no plenário nem faz nada de útil. Até daria nome aos bois, e olha que não são poucos, mas, sabe como é, daqui a pouco preciso do apoio de um e outro e acabo pagando caro pela língua.

Você foi bem recebido pelo alto clero, os caciques da Câmara dos Deputados?
Me dou mais com os novatos e com o pessoal da pelada (entre eles, o ex-boxeador Popó, do PRB-BA, e o ex-goleiro do Grêmio Danrlei, do PSD-RS). Agora, vamos combinar que essa coisa de alto e baixo clero não tem valor nenhum.

De fora, todo mundo acha que lá no alto está a nata da nata, mas isso é balela. O que mais tem no andar de cima é gente que não se coça para nada, quando não sai por aí se metendo em pilantragem.

Pelo que você viu até agora, dá para fazer carreira na política?
Talvez. Fizeram, no ano passado, uma pesquisa de intenção de voto para a Prefeitura do Rio e eu apareci com 6% logo de saída. Fiquei animado, mas o meu partido decidiu apoiar o Eduardo Paes (PMDB) e eu desisti de concorrer desta vez.

Posso também seguir carreira de comentarista de futebol. É uma das profissões mais fáceis do mundo. O que mais tem por aí é palpiteiro que não entende nada do negócio se dando bem. Gente que, quando teve a chance de botar toda essa sabedoria em prática, no campo, só deu vexame.

Cenas do nosso Congresso (para citar poucos exemplos)...

O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) desfila de cueca vermelha pelo Salão Azul do Congresso Nacional, atendendo a um pedido de um programa humorístico (condizente com a natureza muitas vezes risível da Casa), em 15/10/2009.
Conhecido por suas atitudes folclóricas e irreverentes, o senador já protagonizou a distribuição de cartão vermelho ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), no auge da crise política enfrentada pela Casa.

Cantou (desafinado) um rap do Racional MC em uma das comissões do Senado, em 2007; em 2010, pediu um aparte no discurso de um colega e cantou "Para Não Dizer que Não Falei das Flores", de Geraldo Vandré; no ano anterior, o senador também surpreendeu a todos cantando uma canção de Cat Stevens para comemorar o Dia dos Pais.

A deputada Lauriete (PSC-ES), evangélica e cantora gospel, homenageando os 100 anos da Assembléia de Deus no Brasil, canta na Tribuna da Câmara dos Deputados acompanhada de um coro de parlamentares (!) evangélicos e de playback proporcionado pelo sistema de som da Câmara.
Deputada Lauriete canta “Glorioso És Tu” na Tribuna da Câmara

Em 26/03/2012 (pelo menos cantou afinada!).

A deputada Ângela Guadagnin (PT-SP) dança no plenário da Câmara dos Deputados (23/03/2006) após a votação que absolveu o deputado João Magno (PT-MG) do processo de cassação, no Congresso Nacional, por ocasião do escândalo do mensalão.

Sem contar as dezenas de escândalos envolvendo parlamentares (que já se tornaram rotina no Brasil), a impunidade, os proventos elevados (mesmo para padrões internacionais), a baixa produtividade para votar leis, a baixa freqüência ao trabalho, as mordomias, etc.

Será que situações como essas do nosso Congresso acontecem também naqueles parlamentos mostrados anteriormente?
Por que faltam atitudes essenciais em nossos representantes, quando no exercício das suas funções?

Para abordar esta profunda questão, precisamos ir para o “momento cultura”:

Joseph-Marie de Maistre foi um dos expoentes do pensamento francês na época da Revolução Francesa. Filósofo, diplomata, advogado e escritor, defendeu o pensamento contra-revolucionário logo após a Revolução.

Maistre tinha a convicção de que os desmandos de um governo funcionavam como uma punição aos eleitores que votavam mal (mais ou menos como ocorre por aqui, na medida em que o povo elege maus políticos).

É dele a célebre frase: “Cada povo tem o governo que merece”.
O interessante é que no Brasil a inversa da sua máxima é também verdadeira:
“Nosso governo (entenda-se políticos ) tem o povo que merece”.

Pois o povo elege maus políticos, que fazem má política, que vicia o povo para eleger mais maus políticos, que fazem mais má política, que...
Este loop sem fim encontra um análogo numa fita ou anel de Möbius.

O que é uma fita ou anel de Möbius?

Uma fita ou anel de Möbius é um espaço topológico bidimensional caracterizado por ter somente um lado, uma única borda ou fronteira e ser não orientável.

Se uma formiga caminhar por uma superfície cilíndrica, poderá cobrir apenas a metade da superfície, ou seja, um lado da mesma (digamos, o lado externo). Para passar para o lado interno terá que cruzar uma aresta.

Mas se a formiga caminhar ao longo de uma fita de Möbius (ver animação abaixo), poderá andar em toda a superfície da fita sem cruzar nenhuma aresta ou fronteira. Isto é surpreendente porque toda superfície imersa no espaço tridimensional tem dois lados, mas a fita de Möbius só tem um lado e uma única aresta! Sob certos aspectos, é uma superfície patológica imersa no espaço tridimensional.

Este tipo de espaço foi investigado pelo matemático alemão August Ferdinand Möbius e pode ser obtido pela colagem das extremidades de uma fita após dar uma torção de 180º numa delas. Como aprendemos no primário, Espaços topológicos são estruturas que permitem a formalização de conceitos tais como convergência, conexidade e continuidade, os quais aparecem em praticamente todos os ramos da matemática moderna e são uma noção unificadora central. O ramo da matemática que estuda os espaços topológicos é naturalmente chamado de Topologia.

No campo político-social, o Legislativo é ruim e nós somos um povo com baixo nível de cidadania. E um influencia o outro, numa espécie de loop perverso.

Num discurso memorável no Senado em 1914, Ruy Barbosa fez aquele pronunciamento que ficou famoso:
“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”
(Senado Federal, RJ. Obras Completas, Rui Barbosa. v. 41, t. 3, 1914, p. 86)

Apesar de existirem avanços pontuais aqui e ali, e algumas leis importantes serem votadas, o quadro geral é desalentador — a qualidade das nossas instituições políticas não avança significativamente. O tempo passa, as coisas acontecem, mas ficamos sempre muito aquém das necessidades mais elementares no campo institucional! A considerar o que acontece de forma banalizada em nossas instituições, concluímos que em 98 anos evoluímos muito pouco.

O déficit de atitudes essenciais na nossa sociedade é enorme, tanto no nível da cidadania quanto no das instituições. O “jeitinho brasileiro” praticado pelo cidadão no dia-a-dia contribui para formar políticos dados à desfaçatez, e vice-versa.

Como social e institucionalmente estamos patinando sem uma melhora visível no horizonte, uma fita de Möbius presta-se admiravelmente bem como modelo geométrico para espelhar a situação patológica em que se encontra a nossa democracia.

Neste caso, a fita recebe o nome de modelo de democracia de Macunaíma-Möbius (ou modelo MM).
Entendeu?

Enquanto isso...

(Uma colaboração de Rubem Didini)

2 comentários:

  1. Públio, muito obrigado!
    Estamos trabalhando em mais postagens do gênero. Não podemos ficar omissos a essa realidade que está por demais assolando o nosso País!
    Abçs,
    Ed

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